Pular para o conteúdo principal

AQUISIÇÃO DE IMÓVEL POR ESTRANGEIRO NO BRASIL



I – INTRODUÇÃO
A aquisição de propriedade por estrangeiro no Brasil, pelo instituto da compra e venda de imóvel, se define pela aquisição do domínio, mediante contraprestação, em regra “in pecúnia”, de determinada área delimitada, dentro do território nacional.
No Brasil a transmissão da propriedade se dá pelo modelo da tradição, ou seja, faz-se mediante a existência de um contrato e de um ato de publicidade. Nos termos do que trata o artigo 1245 do Código Civil, transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.
Tratando-se de estrangeiro, assim definido, por não possuir a nacionalidade brasileira, ou seja, as pessoas que não se enquadrem na definição contida no artigo 12 da Constituição Federal, para as pessoas físicas e, para as pessoas jurídicas, aquelas que se constituem por ordenamento alienígena, com sede também em país estrangeiro.
O artigo 79 do Código Civil dispõe que são bens imóveis o solo e tudo quanto se lhe incorporar natural ou artificialmente. O artigo 80 do mesmo diploma legal, por sua vez, define que consideram-se imóveis para os efeitos legais, os direitos reais sobre imóveis e as ações que os asseguram e o direito à sucessão aberta. Nos termos do artigo 81, também do Código Civil, as edificações que, separadas do solo, mas conservando a sua unidade, forem removidas para outro local e, os materiais provisoriamente separados de um prédio, para nele se reempregarem.
Será concentrado o estudo na propriedade imóvel urbana, assim considerada aquela localizada em zona urbana e, na propriedade rural, assim considerada aquela que se situar na zona rural, ou ainda, quando tiver destinação rural.
Para os estrangeiros, no caso das pessoas físicas, é necessário possuir inscrição no CPF – Cadastro de Pessoas Físicas, nos termos do que trata o artigo 3º, II, “d”, da IN RFB 1548, de 13 de fevereiro de 2015, enquanto para as pessoas jurídicas, é necessário possuir inscrição no CNPJ – Cadastro de Pessoas Jurídicas, conforme dispõe o artigo 4º, XV, “a”, “1”, da IN RFB 1634 de 06 de maio de 2016.
Para o estrangeiro, pessoa física, fazer inscrição no CPF, deverá preencher formulário específico, disponível em inglês, espanhol e português, no site da RFB. Em seguida o interessado deverá se dirigir até uma representação do Ministério das Relações Exteriores, munido dos documentos pessoais. No caso da pessoa jurídica, deverá preencher o formulário respectivo via sistema e entregar os documentos, mas há a exigência da outorga de um representante legal.
II – DA AQUISIÇÃO DE PROPRIEDADE URBANA
Em regra, não existem óbices para a aquisição de propriedade imóvel urbana por pessoa estrangeira, exceto quanto a bens da União.
A propriedade no Brasil somente se inicia com o registro, nos termos do artigo 1245 do Código Civil, portanto para que este se realize é preciso formalizar um contrato de compra e venda e, fazer a inscrição no Cartório de Registro de Imóveis respectivo ao imóvel. Estas disposições se aplicam tanto para as propriedades urbanas, quantos às rurais, que serão tratadas a seguir.
III – DA AQUISIÇÃO DE PROPRIEDADE RURAL
Para obrigar ao bom uso da propriedade, de modo a prover retorno socioeconômico e, garantir a soberania nacional, a Constituição Federal estabeleceu em seu artigo 190 que a lei regulará e limitará a aquisição ou o arrendamento de propriedade rural por pessoa física ou jurídica estrangeira e estabelecerá os casos que dependerão de autorização do Congresso Nacional.
Resquício da ditadura militar, o Ato Complementar 45, de 30 de janeiro de 1969, vigente, que dispõe sobre a aquisição da propriedade rural no território nacional, estabelece que a aquisição de propriedade rural no território nacional somente poderá ser feita por brasileiro ou por estrangeiro residente no país. Há que se mencionar que existe a ressalva da aquisição pela via da sucessão, ocasião em que é resguardado o direito aos herdeiros, ainda que se tratem de estrangeiros.
Especificamente às restrições da aquisição de imóveis rurais por estrangeiros, trata a Lei 5709 de 07 de outubro de 1971, determinando que somente o estrangeiro residente no país e a pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil poderão adquirir imóvel rural no território nacional.
A Lei 5709/71, nos termos do seu artigo 3º, estabelece a aquisição de imóvel rural por pessoa física estrangeira não poderá exceder a 50 (cinquenta) módulos[1] de exploração indefinida, em área contínua ou descontínua, salvo com autorização do Presidente da República. Não obstante, deverá obter autorização do INCRA, para áreas entre 03 e 50 módulos, nos termos do que dispõe o artigo 7º do Decreto-Lei 74965 de 26 de novembro de 1974. Sendo o imóvel com área não superior a 03 módulos, a aquisição será livre.
As pessoas jurídicas estrangeiras, com autorização para funcionar no país, poderão adquirir imóveis rurais destinados à implantação de projetos agrícolas, pecuários, industriais, ou de colonização, vinculados aos seus objetos estatutários[2]. Quando o imóvel se encontra em área considerada indispensável à segurança nacional, será necessário o assentimento prévio da Secretaria Geral do Conselho de Segurança Nacional.
Outra restrição à aquisição de propriedade rural por pessoa estrangeira é que a soma das áreas rurais não poderá ultrapassar a um quarto da superfície dos Municípios onde se situem, excluídos os casos nos quais a área seja inferior a três módulos.
A questão da aquisição de terras por estrangeiro tem sido objeto de enorme controvérsia e, inclusive foi objeto de pareceres da AGU. O parecer GQ 181/1998, sustentou que o artigo 1º, § 1º havia sido revogado, com o advento da Constituição Federal de 1988. Diante deste fato, muitas empresas foram compostas por estrangeiros, driblando a legislação, porque como empresas brasileiras, desobrigaram-se da obediência aos ditames da Lei 5709/71.
Dez anos depois foi revista a posição e sustentado no parecer CGU/AGU nº 01/2008-RVJ, de 03 de setembro de 2008, que o § 1º do artigo 1º da Lei 5709/71 foi devidamente recepcionado pela Constituição Federal, tanto na sua origem, quanto pela promulgação da EC 06/1995, por força das disposições contidas no artigo 171, §1º, II, artigo 1º, I, artigo 3º, II, artigo 4º, I, artigo 5º, caput, artigo 170, I e IX e artigo 190. Importante acrescentar, que o artigo 171, revogado pela EC 06/95, era vigente quando do advento da Constituição Federal de 1988. Com a homologação deste parecer pelo Presidente da República, ficou estabelecido que as empresas brasileiras serão equiparadas às empresas estrangeiras, caso estrangeiro pessoa física ou jurídica, tiver participação naquela que lhe assegure o poder de conduzir as deliberações da assembleia geral, de eleger a maioria dos administradores da companhia e de dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos.
Atualmente tramita no Supremo Tribunal Federal, a ação civil originária (ACO 2463), movida pela União e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária, contra o Estado de São Paulo, visando declarar a nulidade da orientação normativa contida no parecer 461-12-E, da Corregedoria Geral de Justiça de São Paulo, que garante a aquisição de propriedades rurais no Brasil, por pessoa jurídica brasileira, porém com participação majoritária de estrangeiros, pessoas físicas e jurídicas, fundamentando que o § 1º do artigo 1º da Lei 5709/71 não havia sido recepcionado pela Constituição Federal. O Ministro Marco Aurélio concedeu liminar para suspender os efeitos do referido parecer, o que demonstra o possível esboço de um entendimento definitivo, ou ao menos um precedente a servir de fonte para casos futuros.
IV – DO PAGAMENTO
O Código Civil estabelece em seu artigo 328, que se o pagamento consistir na tradição de um imóvel, ou em prestações relativas a imóvel, deverá ser feito no lugar onde situado o bem. Desta forma, compreende-se que o pagamento, ainda que realizado por comprador estrangeiro, deverá ser realizado no Brasil.
O estrangeiro não residente que comprar imóvel no Brasil, terá que realizar o pagamento, de acordo com as regras impostas pelo Banco Central do Brasil. Sendo assim, terá a opção de realizar o pagamento das seguintes formas:
1.   Enviar ordem de pagamento, em reais ou moeda estrangeira, a favor do vendedor do imóvel, devendo este comparecer ao banco para o qual foi feito o envio e, caso a ordem de pagamento seja em moeda estrangeira, realizar operação de câmbio;
2.   Caso o comprador possua conta em reais no Brasil, poderá pagar diretamente ao vendedor do imóvel. No caso de prescindir de depósito para complementar o valor a ser pago, o comprador estrangeiro poderá fazer uma transferência a seu favor e o banco, munido de procuração, realiza a operação de câmbio e credita os reais na conta do estrangeiro, para que este efetive o pagamento;
3.   Fazer a remessa diretamente ao seu procurador, que contrata operação de câmbio com o agente de câmbio, em nome do comprador e de posse dos reais correspondentes, concretiza o pagamento.
Caso a compra do imóvel seja realizada por pessoa física, no intuito de se integralizar o capital de empresa, a orientação é que para efeito de obtenção do registro no Banco Central, denominado RDE/IED, a compra seja feita pela própria empresa, após a entrada dos recursos para integralização do capital social.
V – SOLUÇÃO DE EVENTUAIS CONTROVÉRSIAS
De acordo com o previsto no Decreto-Lei 4657, de 04 de setembro de 1942 - Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, especificamente, no § 1º do artigo 12, somente a autoridade judiciária brasileira tem competência para conhecer das ações relativas a imóveis situados no Brasil, portanto quaisquer eventuais controvérsias deverão ser submetidas ao crivo do Poder Judiciário do Brasil.




[1] O Modulo de Exploração Indefinida é uma unidade de medida, expressa em hectares, a partir do conceito de módulo rural, para o imóvel com exploração não definida. A dimensão do MEI varia entre 5 e 100 hectares, de acordo com a Zona Típica de Módulo (ZTM) do município de localização do imóvel rural. Definição disponível em: http://www.incra.gov.br/estrutura-fundiaria/regularizacao-fundiaria/aquisicao-e-arrendamento-de-terras-por-estrangeiro/file/1114-modulo-de-exploracao-indefinida-mei, acesso em 09/02/2017.
[2] Art. 5º - As pessoas jurídicas estrangeiras referidas no art. 1º desta Lei só poderão adquirir imóveis rurais destinados à implantação de projetos agrícolas, pecuários, industriais, ou de colonização, vinculados aos seus objetivos estatutários.
§ 1º - Os projetos de que trata este artigo deverão ser aprovados pelo Ministério da Agricultura, ouvido o órgão federal competente de desenvolvimento regional na respectiva área.
§ 2º - Sobre os projetos de caráter industrial será ouvido o Ministério da Indústria e Comércio.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Descarga Direta nas Importações de Mercadoria a Granel

Descarga Direta nas Importações de Mercadoria a Granel A Subsecretaria de Aduana e Relações Internacionais submeteu à apreciação a Consulta Pública nº 02, de 24 de abril de 2020, que diz respeito a proposta de alteração da Instrução Normativa RFB nº   1282, de 16 de julho de 2012, que dispõe sobre a descarga direta e o despacho aduaneiro de importação de mercadoria transportada a granel. Caso venham a ser efetivadas as modificações almejadas será possível permitir que o próprio importador de mercadoria a granel possa optar pela destinação de suas mercadorias, suprimindo-se a necessidade de manifestação dos concessionários ou permissionários de recintos alfandegados para autorização da descarga direta ou armazenamento em recintos não alfandegados. Dentre os motivos apresentados para as alterações destacou-se o fato de que a capacidade de armazenamento de mercadorias a granel em recintos alfandegados nos portos brasileiros é muito pequena em relação a quantidade de

ASPECTOS RELEVANTES DA ANÁLISE SOBRE PREÇOS DE TRANSFERÊNCIA NO BRASIL

    Desde 2018 o Brasil vem desenvolvendo juntamente com a OCDE o Projeto Preços de Transferência no Brasil, com o objetivo de identificar e avaliar os pontos fortes e pontos fracos da estrutura de preços de transferência no país, para que este possa ser definitivamente alinhado aos padrões internacionais determinados pelos três principais instrumentos da OCDE, que são a Recomendação do Conselho da OCDE de 1995, a Recomendação do Conselho de 2008 sobre a atribuição de lucros a estabelecimentos permanentes e a Recomendação de Preços de Transferência BEPS de 2016.   O estudo, trazido a público pela OCDE em 03 de agosto de 2020, foi desenvolvido em 03 etapas: 1) Análise preliminar do quadro jurídico e administrativo das regras de preços de transferência no Brasil; 2) Avaliação dos pontos fortes e fracos das regras de preços de transferência e práticas administrativas existentes; 3)   Opções para alinhamento com as normas de preços de transferência internacionalmente aceitas da OCDE

IMPACTOS DO COVID-19 NA ECONOMIA GLOBAL E NO COMÉRCIO EXTERIOR DOS ESTADOS DO PARANÁ, SANTA CATARINA E RIO GRANDE DO SUL

Os prejuízos causados pela pandemia do coronavírus à economia são muito preocupantes, principalmente no que diz respeito ao comércio internacional. De acordo com estudos divulgados pela Organização Mundial do Comércio [1] , haverá uma queda entre 13% e 32% na atividade econômica em 2020. O órgão internacional acrescentou ainda que não há como prever exatamente os prejuízos, eis que a situação não tem precedentes recentes, apesar de que os especialistas acreditam que o declínio da economia global deverá superar o ocorrido na crise financeira mundial de 2008 [2] . O comércio internacional havia desacelerado no ano de 2019, mesmo antes da pandemia se concretizar, por conta de algumas tensões, tais como a disputa comercial entre os Estados Unidos e a China, a questão do Brexit na União Européia, entre outras, como as tensões causadas pelo Irã, que afetaram diretamente o mercado de petróleo e a queda nas atividades comerc