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A ESCOLA DOS ANNALES E A IMPORTANCIA DA ANÁLISE CRÍTICA DA HISTÓRIA PARA A CRIAÇÃO E APLICAÇÃO DO DIREITO


I - INTRODUÇÃO
A história durante muitos anos foi elaborada através da reles relação de fatos e acontecimentos, vinculados a datas e períodos que dividiam épocas, com intuito meramente informativo. Havia uma enorme quantidade de dados, dispersos e com pouco fundamento, que eram sistematicamente compilados, sem a atribuição clara da razão ou de uma finalidade.
A importância de uma análise crítica da história somente veio à tona com o surgimento da Escola dos Annales, movimento que nasceu do trabalho dos historiadores Marc Bloch e Lucien Febvre, docentes da Universidade de Estrasburgo, a partir do ano de 1929, com a publicação de um periódico que combinava a Geografia e outras disciplinas com a História para suas abordagens.
Após a primeira guerra mundial o historiador Lucien Febvre começa a desenvolver suas ideias sobre uma publicação que pudesse unir a história e a economia, mas somente com Marc Bloch, a partir de 1928, realmente conseguiu empreender e publicar o primeiro número de uma revista nomeada de “Annales d’histoire économique et sociale”, no ano de 15 de janeiro de 1929.
A situação do pós-guerra foi fundamental para o amadurecimento das ideias de uma revista de história econômica, tendo sido influenciada por todo um contexto político e social, principalmente por conta das oscilações econômicas, durante a década de 20, que culminaram na Crise da Bolsa de 1929.
Não há como estabelecer que a Grande Depressão foi o fator que impulsionou a revista e a ideia desenvolvida como o conceito da Escola dos Annales, porque a revista foi lançada em janeiro, enquanto a crise tem seu início estabelecido em 24 de outubro de 1929. Apesar disto, podemos destacar que o contexto que levara à crise também foi fundamental para o desenvolvimento dos princípios de análise historiográfica baseado na utilização da razão e na interdisciplinaridade, que deram origem ao que hoje denomina-se “Nova História”.
A Escola dos Annales abriu o campo de visão para as pesquisas históricas, para que estas pudessem beneficiar as atividades humanas, rompendo o paradigma da compartimentação das Ciências Sociais. Este fato permitiu que outras ciências pudessem ampliar os horizontes, tornando-se dinâmicas e passíveis de orientar o pensamento humano.
Febvre explicita a importância da modificação do pensamento científico, pelo que chamou-se de renovação do espírito científico, inclusive citando a importância da física e os avanços trazidos pela “Teoria da Relatividade”, conforme:
Et les vides dont ils étaient tissus nous habituaient, eux aussi, dans le domaine de la biologie, à cette notion du discontinu qui, d’autre part, s’introduisait dans la physique avec la théorie des quanta: décuplant les ravages déjà causés, dans nos conceptions scientifiques, par la théorie de la relativité, elle semblait remettre en question la notion traditionnelle, l’idée ancienne de causalité — et donc, d’un seul coup, la théorie du déterminisme, ce fondement incontesté de toute science positive — ce pilier inébranlable de la vieille histoire classique[1].
A ampliação dos horizontes de investigação, pelo alargamento das fontes do historiador, proporcionou grandes avanços para a História, possibilitando uma maior compreensão da sociedade e principalmente da cultura dos povos, conforme apontado por Lucien Febvre em:
(...) Et pas seulement ces documents d’archives en faveur de qui on crée un privilege — le privilège d’en tirer, comme disait cet autre, un nom, un lieu, une date ; une date, un nom, un lieu — tout le savoir positif, concluait-il, d’un historien insoucieux du réel. Mais un poème, un tableau, un drame : documents pour nous, témoins d’une histoire vivante et humaine, saturés de pensée et d’action en puissance... (...)[2]
A implantação desse pensamento na História, permitiu que outras ciências como a Biologia, a Sociologia, a Psicologia, a Filosofia, a Economia, a Geografia e inclusive o Direito, passassem a analisar suas questões sob a ótica da interdisciplinaridade.
Aqui será dedicada atenção somente ao direito, mas não à despeito das enormes contribuições que a Escola dos Annales propiciou para tantas outras ciências.
II – A UTILIZAÇÃO DA HISTÓRIA COMO FONTE DO DIREITO
A História é importantíssima para o Direito, porque identifica os motivos pelos quais o homem se inclinou em determinada direção, em detrimento de outra, principalmente quando implica no reconhecimento das causas que levaram os povos a se orientar por determinada norma.
Um bom exemplo disso está presente na história contemporânea, quando através da criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, a primeira organização supranacional da Europa, que deu origem a todo processo de integração que culminou no surgimento da União Europeia. Após a segunda guerra mundial, juntaram-se a Bélgica, os Países Baixos e Luxemburgo a Itália, Alemanha Ocidental e França, para através deste acordo estabelecer condições para a utilização de recursos naturais para a fabricação do aço, garantindo o livre comércio e estabelecendo restrições para o uso com fins bélicos. Não há como deixar de estabelecer que as mazelas deixadas pela segunda grande guerra interferiram diretamente no contexto legal internacional, o que demonstra o comprometimento que o Direito tem com a História.
Outro exemplo emblemático se trata da modificação da Constituição dos Estados Unidos da América, que previa a proteção de todos como iguais, porém havia interpretação no sentido de que, sob o aspecto racial, em relação específica aos negros, deveria haver separação. Esta doutrina durou até a década de 1960, quando a corte Warren passou a entender a segregação escolar como inconstitucional. Importante destacar que, neste caso, a modificação foi no modo como a lei deveria ser interpretada. Novamente não há como desvincular esta jurisdição de todo o processo de libertação dos escravos e da luta pelas liberdades civis.
A importância da História para o Direito é descrita com exatidão pelo Filósofo Hans-Georg Gadamer, pela necessidade da aplicação da hermenêutica:
Essa exatidão hermenêutica, que coloca a hermenêutica daqui por diante no “coração das coisas”, permite enfatizar um fenômeno sobre o qual até o momento nos interrogamos muito pouco. Trata-se da “distância temporal” e do seu significado para a compreensão. Pois ao contrário do que costumamos imaginar, o tempo não é um precipício que devamos transpor para recuperarmos o passado; é, na realidade, o solo que mantém o devir e onde o presente cria raízes. A “distância temporal” não é uma distância no sentido de uma distância que deva ser transposta ou vencida. Esse era o preconceito ingênuo do historicismo, que acreditava poder alcançar o terreno da objetividade histórica através de um esforço para se colocar na perspectiva da época estudada e pensar com os conceitos e representações que lhes eram “próprias”. Trata-se, na verdade, de considerar a “distância temporal” como fundamento de uma possibilidade positiva e produtiva de compreensão. Não é uma distância a percorrer, mas uma continuidade viva de elementos que se acumulam formando uma tradição, isto é, uma luz a qual tudo o que trazemos conosco de nosso passado, tudo o que nos é transmitido faz a sua aparição[3].
A importância do conhecimento da história para a hermenêutica, fundamental para a aplicação do direito, elucida a presença dos princípios estabelecidos pela Escola dos Annales. Somente através da utilização da hermenêutica, incluindo-se também a análise do contexto histórico, bem como de outros fatores, econômicos e sociais por exemplo, será possível o estabelecimento das leis e a sua aplicação, além da análise de sua vigência.
No Brasil até pouco tempo era terminantemente proibido a união de pessoas do mesmo sexo. Atualmente, não somente a união homo afetiva, mas também o casamento, são permitidos para os homossexuais. Vale lembrar que este tipo de orientação sexual chegou inclusive a ser considerado crime, mas atualmente, o Supremo Tribunal Federal através do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 132, reconheceu o direito à união estável entre pessoas do mesmo sexo, consagrando interpretação extensiva ao conceito previsto no artigo 226[4], § 3º, da Constituição Federal, abrangendo no conceito de entidade familiar as uniões homo afetivas. Em 14 de maio de 2013 o Conselho Nacional de Justiça aprovou resolução que obrigou os Cartórios de Registro Civil a converter a união estável homo afetiva em casamento.
A modificação dos conceitos sociais permitiu que a legislação e a interpretação das leis se modificassem, de modo que podemos afirmar, a evolução histórica da sociedade influenciou diretamente o direito.
Estabelecida a importância de uma história crítica e multidisciplinar e seu indissociável vínculo com a ciência jurídica, resta estabelecer a análise crítica do direito a partir do contexto histórico, o que faremos especialmente sob o ponto de vista do direito dos negócios.
III – ANÁLISE DOS NEGÓCIOS E APLICAÇÃO DO DIREITO COM O AUXÍLIO DE FONTES HISTÓRICAS
Um negócio se trata de um empreendimento, seja comercial, industrial ou financeiro, com intuito de obtenção de lucro, estabelecido pela realização de uma determinada atividade, qualquer que seja sua natureza.
Para que se possa empreender um negócio, primeiramente, este deverá ser lícito, ou seja, deverá ser permitida a sua prática, ou mesmo não vedada, pelo ordenamento jurídico vigente, do local onde se pretende estabelecê-lo. Não importa se em âmbito municipal, interestadual ou nacional, até mesmo internacional, a atividade empreendedora está vinculada ao respeito das normas organizadoras tanto da atividade quanto da própria sociedade.
Além da obediência aos ditames legais o empreendedor precisa conhecer o ambiente em que a sua organização pretende atuar, a cultura da sociedade, a estrutura e o mercado, além das tecnologias disponíveis.
Há também a necessidade de se estabelecer os objetivos e metas a serem alcançados, através do plano de negócios, que deverá conter a missão específica da organização que se pretende constituir
Por fim, o empreendedor deverá analisar as competências essenciais necessárias para a realização da missão da organização, atendo-se com severa importância ao custo que demandam para a sua execução.
Estes fatores irão definir se o negócio é viável ou não, ou seja, ainda que se tenha uma ideia e um planejamento adequado, bem como os elementos para a execução da atividade, a decisão final estará vinculada ao objetivo principal, anterior até mesmo à ideia que se pretende desenvolver, que é a finalidade de lucro.
Cada um dos elementos para a constituição do negócio está sujeito a legislação específica, como por exemplo, os contratos sociais, que entre outros dispositivos legais, devem obediência ao artigo 997[5] do Código Civil.
Importante acrescentar que o lucro está intimamente ligado com as despesas indispensáveis para a realização do negócio e, dentre estas, a que toma o destaque principal é a tributação.
A análise da tributação, como ramo do direito, não foge à regra da necessidade de submissão a uma perspectiva histórico contextual, para que se possa garantir que a finalidade pela qual o legislador se incumbiu de determinado processo legislativo seja cumprida.
Um bom exemplo, que trata da aplicação do direito tributário, sob a perspectiva histórica, ocorreu durante o período colonial. O Governo Português, descontente com a diminuição da quantidade de ouro que era enviada a Portugal e, desconfiado de que poderiam estar lhe passando para trás, instituiu a derrama a fim de assegurar o teto de cem arrobas anuais na arrecadação do quinto[6]. Como a arroba – tal como hoje - equivalia a 15 kg, deveria ser enviado ao Rei 1.500 kg de outro anualmente. Esta quantia era muito difícil de ser atingida e paga integralmente, sendo assim, o governo intensificava a cobrança, confiscando quaisquer bens ou objetos de ouro. Tal ato causou tanta revolta, que o “quinto dos infernos” - como era chamada a tributação, foi uma das principais causas da Inconfidência Mineira.
II.1 – Direito dos Negócios e Tributação
Nos termos do que dispõe o artigo 966 do Código Civil, “considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”. Sendo o responsável pela atividade econômica, o empreendedor também assume os ônus de sua execução, tais como pagamento de empregados, insumos, credores e tributação. Para que seja possível a gestão da empresa, há a necessidade de adequá-la de maneira que não se inviabilize o lucro.
O lucro é a diferença entre o faturamento obtido com as vendas de um produto ou serviço e os custos de execução da atividade e depende diretamente, dentre outros fatores, da tributação que incide especificamente.
Para que a tributação não consuma todo o lucro, tornando a atividade inviável do ponto de vista dos negócios, faz-se necessário que a empresa avalie e se prepare para que possa suportar e menor tributação possível, respeitados os limites legais. Para que este objetivo seja atingido há a necessidade de um planejamento da tributação da empresa. Importante acrescentar que o planejamento da empresa para que não precise suportar ônus tributários desnecessários para suas atividades, nada tem a ver com a utilização de meios ilícitos para evitar o pagamento de tributos.
Um planejamento lícito não se confunde com ardil que possa ser lançado para auferir uma vantagem indevida sobre os cofres públicos, prejudicando o estado e a população como um todo.
Muitas são as denominações utilizadas para tentar diferenciar as atividades de adequação tributária lícitas das ilícitas. Para enfrentar este tipo de artimanha, a RFB tem se valido principalmente do artigo 116[7] do Código Tributário Nacional, que no seu parágrafo único, outorga à autoridade administrativa o poder de desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária.
A elisão fiscal é conceituada como a redução ou supressão de tributos por impedimento da incidência da norma tributária, através de atos lícitos, praticados anteriormente ao fato gerador. A evasão fiscal, por sua vez, consiste na redução ou postergação de um tributo devido, pela prática de um ato ilícito, antes ou após o fato gerador.
O planejamento tributário tem sido encarado pelo CARF como uma noção mais ampla da elisão fiscal, porque engloba situações em que a vantagem fiscal pretendida não é a redução ou supressão de tributos. Na visão da RFB qualquer ato, ainda que lícito, que tenha sido utilizado para driblar a imposição de tributos, consiste em fraude e deve ser anulado, com base no artigo 166, VI do Código Civil[8].
Apesar do entendimento tendencioso do poder público, o que distingue uma operação lícita da ilícita são os meios empregados, o momento da atuação do contribuinte, que deve ser sempre anterior ao fato gerador, bem como a motivação para qual o ato foi praticado. Ainda assim, não há dúvidas que o contribuinte não tem a obrigação de optar pela via mais onerosa, quando do pagamento de tributos, nos termos do que dispõe o artigo 108, § 1º do Código Tributário Nacional[9].
A busca pelas formas mais vantajosas de economia fiscal não é um ato ilícito e, quando realizada da forma permitida e adequada, ocorre pela utilização do direito de livre organização dos negócios, com base no fundamento constitucional da livre iniciativa, consoante o artigo 170, parágrafo único, da Constituição Federal[10].
III – DO PROPÓSITO NEGOCIAL
Independente da nomeação, ou da possibilidade de se caracterizar, subjetivamente, as atividades relacionadas ao pagamento de tributos como elisão, evasão, sonegação, planejamento lícito, planejamento abusivo, paraíso fiscal, offshore, não se irá encontrar o diferencial entre as atividades legais e ilegais, exceto pela aplicação de princípios que possam atribuir transparência e legitimidade às operações ou verificar sua inidoneidade.
A nomenclatura de nada serve se a metodologia para definição da licitude da conduta está diretamente vinculada a subjetividade, porque para a RFB, qualquer atividade que reduza o pagamento de tributos é considerada ilegal, enquanto o contribuinte defende que lhe é uma prerrogativa de cidadão manejar seus negócios evitando a ocorrência de tributos.
O problema está em desvincular o elemento subjetivo da análise das operações tributárias praticadas pela empresa. Este procedimento somente é possível com a utilização do princípio do propósito negocial. Atribuir propósito negocial às atividades tributárias é verificar se os procedimentos e operações realizadas foram meios para que se pudesse concretizar os objetivos propostos, o que de foge da esfera da mera diminuição da tributação.
O propósito negocial deriva do instituto jurídico oriundo dos Estados Unidos da América, denominado “business purpose”, que trata-se de um teste usado contra esquemas para se evitar o pagamento de tributos. Através da aplicação deste teste é possível identificar os esquemas que tem como finalidade forjar circunstancias para diminuir ou evitar a carga tributária.
A questão da fabricação de esquemas para evitar a tributação, de longa data é um dos assuntos mais polêmicos na seara fiscal, tanto que a “OECD – Organization for Economic Co-operation and Development”, através dos esforços para implementação do “BEPS – Base Erosion and Profit Shifting”, tem como uma de suas prerrogativas a prevenção da utilização de esquemas para evitar a tributação, conforme podemos observar:
ACTION 7[11]
Prevent the artificial avoidance of PE status
Develop changes to the definition of PE to prevent the artificial avoidance of PE status in relation to BEPS, including through the use of commissionaire arrangements and the specific activity exemptions. Work on these issues will also address related profit attribution issues.
O objetivo principal no caso da “Action 7” é a implementação do regime de preços de transferência e o fortalecimento do princípio do “Arm’s Length”. As regras de Transfer Pricing têm a função de alocar os ganhos de empreendimento multinacional nos países onde a empresa realiza seus negócios. As regras de preços de transferência permitem de forma efetiva e eficiente a alocação dos ganhos das multinacionais em jurisdições tributadas. Em alguns casos as multinacionais têm se valido das regras existentes para mover seus ganhos para países de tributação irrisória.
Como podemos observar, a realidade do contexto tributário, não somente no âmbito nacional, mas também internacional, consiste no aprimoramento de esforços para que os esquemas fabricados com a intenção de evitar tributos sejam totalmente banidos.
Apesar dos esforços para se evitar o planejamento maligno, o sistema desenvolvido pelo “business purpose” admite que há hipóteses em que as estruturações ocorridas na empresa foram feitas de maneira honesta, ou seja, estritamente de acordo com a lei.
O teste para verificação do Propósito Negocial deve ser realizado através da submissão da operação ao seguinte questionamento:
a)    Existem razões de caráter econômico/comercial/societário/financeiro que justifiquem a operação?
b)    As razões da operação estão fundamentadas em estudos, pareceres, relatórios ou laudos técnicos?
c)    Financeiramente, as operações realizadas pela empresa na sua atividade são relevantes comparadas ao montante economizado de tributos?
d)    Há um prazo razoável, entre a data de início das operações reformuladas e, a data da economia de tributos?
Se a operação tem suporte para ser submetida com êxito ao questionamento acima, podemos afirmar que o planejamento da empresa foi feito de maneira lícita, não havendo razão para oposição por parte do Fisco.
Não obstante, para que o todo constituído não se desvirtue do propósito negocial, há necessidade de haver constante coordenação, planejamento, controle, operacionalização e revisão.
III – CONCLUSÃO
Os avanços trazidos principalmente para as ciências humanas, com a instituição da Escola dos Annales, permitiram que o direito pudesse se colocar a caminho de alcançar a sua finalidade maior, que é o bem comum de toda a sociedade. Neste diapasão, criou-se a possibilidade de inserir na análise do direito, o contexto histórico, trazendo assim mais uma poderosa ferramenta para interpretação da vontade do legislador.
O contexto permite avaliar a necessidade, essencialidade e imprescindibilidade dos atos praticados, o que viabiliza a fuga da subjetividade, pela criação de um método objetivo e eficaz de verificação da idoneidade de eventual planejamento.
As empresas têm a liberdade de reestruturar os negócios, impedindo que se tornem obsoletos, também que tange a esfera tributária, porque tal como o mundo corporativo, o direito que o acompanha, pela filosofia de Febvre, não poderia ser diferente.
A evolução tecnológica, o advento de novas formas de negócio, avanço dos meios de comunicação e o surgimento de produtos nunca antes sequer imaginados, faz com que a tributação e a forma de recolhimento também se modifiquem. Um bom exemplo disto são as compras pela internet e o serviço de streaming, atividades comerciais que jamais poderiam ter sido previstos pelo Código Tributário Nacional, datado de 1966[12].
Desta forma, diante da atividade apresentada pela empresa, o fisco não poderá mais agir de forma a considerar qualquer modificação como elisão, evasão, ou mesmo sonegação, porque não poderá se eximir de comprovar suas alegações através da realização de uma análise fundada em método objetivo.
A simples alegação infundada, seguida da emissão de auto de infração, com aplicação de severas multas, não deverá mais lograr êxito, por falta de respaldo técnico e jurídico.
Planejamento é otimizar com propósito negocial, ou seja, em total obediência aos ditames legais, mas com foco no negócio e não somente na economia de tributos.



[1] FEBVRE, Lucien. “Vivre l’histoire. Propos d’initiation”. In: Combats pour l’histoire. Op. Cit. p.28. 
[2] FEBVRE, Lucien. “De 1892 a 1933. Examen de conscience d’une histoire et d’un historien.” In: Combats pour l’histoire. Op. Cit. p.12.  [...] “E não só os documentos de arquivos em cujo favor se cria um privilégio – o privilégio de daí tirar, como dizia o outro*, um nome, um lugar, uma data; uma data, um nome, um lugar – todo o saber positivo, concluía ele, de um historiador indiferente ao real. Mas, também, um poema, um quadro, um drama: documentos para nós, testemunhos de uma história viva e humana, saturados de pensamento e de ação em potência...” FEBVRE, Lucien. “De 1892 a 1933: Exame de consciência de uma história e de um historiador”. In: Combates pela história. Op. Cit. p. 24.
[3] GADAMER, Hans-Georg. O Problema da Consciência Histórica. Editora FGV, 2ª Edição, Rio de Janeiro, pag. 67.
[4] Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. (...)
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
[5] Art. 997. A sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que, além de cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará:
I - nome, nacionalidade, estado civil, profissão e residência dos sócios, se pessoas naturais, e a firma ou a denominação, nacionalidade e sede dos sócios, se jurídicas;
II - denominação, objeto, sede e prazo da sociedade;
III - capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo compreender qualquer espécie de bens, suscetíveis de avaliação pecuniária;
IV - a quota de cada sócio no capital social, e o modo de realizá-la;
V - as prestações a que se obriga o sócio, cuja contribuição consista em serviços;
VI - as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade, e seus poderes e atribuições;
VII - a participação de cada sócio nos lucros e nas perdas;
VIII - se os sócios respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais.
Parágrafo único. É ineficaz em relação a terceiros qualquer pacto separado, contrário ao disposto no instrumento do contrato.
[6] O quinto era a retenção de 20% do ouro em pó ou folhetas que eram direcionadas diretamente a Coroa Portuguesa;
[7] Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos: (...)
Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária. (Incluído pela Lcp nº 104, de 2001)
[8] Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando: (...)
VI - tiver por objetivo fraudar lei imperativa;
[9] Art. 108. Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada:
I - a analogia; (...)
§ 1º O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei.
[10] Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (...)
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.
[12] Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966.

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