A ESCOLA DOS ANNALES E A IMPORTANCIA DA ANÁLISE CRÍTICA DA HISTÓRIA PARA A CRIAÇÃO E APLICAÇÃO DO DIREITO
I - INTRODUÇÃO
A história durante muitos anos foi elaborada através da reles relação
de fatos e acontecimentos, vinculados a datas e períodos que dividiam épocas,
com intuito meramente informativo. Havia uma enorme quantidade de dados,
dispersos e com pouco fundamento, que eram sistematicamente compilados, sem a
atribuição clara da razão ou de uma finalidade.
A importância de uma análise crítica da história somente veio à tona
com o surgimento da Escola dos Annales, movimento que nasceu do trabalho dos
historiadores Marc Bloch e Lucien Febvre, docentes da Universidade de
Estrasburgo, a partir do ano de 1929, com a publicação de um periódico que
combinava a Geografia e outras disciplinas com a História para suas abordagens.
Após a primeira guerra mundial o historiador Lucien Febvre começa a
desenvolver suas ideias sobre uma publicação que pudesse unir a história e a
economia, mas somente com Marc Bloch, a partir de 1928, realmente conseguiu
empreender e publicar o primeiro número de uma revista nomeada de “Annales d’histoire économique et sociale”,
no ano de 15 de janeiro de 1929.
A situação do pós-guerra foi fundamental para o amadurecimento das
ideias de uma revista de história econômica, tendo sido influenciada por todo
um contexto político e social, principalmente por conta das oscilações
econômicas, durante a década de 20, que culminaram na Crise da Bolsa de 1929.
Não há como estabelecer que a Grande Depressão foi o fator que
impulsionou a revista e a ideia desenvolvida como o conceito da Escola dos
Annales, porque a revista foi lançada em janeiro, enquanto a crise tem seu
início estabelecido em 24 de outubro de 1929. Apesar disto, podemos destacar que
o contexto que levara à crise também foi fundamental para o desenvolvimento dos
princípios de análise historiográfica baseado na utilização da razão e na
interdisciplinaridade, que deram origem ao que hoje denomina-se “Nova
História”.
A Escola dos Annales abriu o campo de visão para as pesquisas
históricas, para que estas pudessem beneficiar as atividades humanas, rompendo
o paradigma da compartimentação das Ciências Sociais. Este fato permitiu que
outras ciências pudessem ampliar os horizontes, tornando-se dinâmicas e
passíveis de orientar o pensamento humano.
Febvre explicita a importância da modificação do pensamento científico,
pelo que chamou-se de renovação do espírito científico, inclusive citando a
importância da física e os avanços trazidos pela “Teoria da Relatividade”,
conforme:
Et les vides dont ils étaient tissus nous
habituaient, eux aussi, dans le domaine de la biologie, à cette notion du
discontinu qui, d’autre part, s’introduisait dans la physique avec la théorie
des quanta: décuplant les ravages déjà causés, dans nos conceptions
scientifiques, par la théorie de la relativité, elle semblait remettre en
question la notion traditionnelle, l’idée ancienne de causalité — et donc, d’un
seul coup, la théorie du déterminisme, ce fondement incontesté de toute science
positive — ce pilier inébranlable de la vieille histoire classique[1].
A ampliação dos horizontes de investigação, pelo alargamento das fontes
do historiador, proporcionou grandes avanços para a História, possibilitando
uma maior compreensão da sociedade e principalmente da cultura dos povos,
conforme apontado por Lucien Febvre em:
(...) Et pas seulement ces documents d’archives en
faveur de qui on crée un privilege — le privilège d’en tirer, comme disait cet
autre, un nom, un lieu, une date ; une date, un nom, un lieu — tout le savoir
positif, concluait-il, d’un historien insoucieux du réel. Mais un poème, un
tableau, un drame : documents pour nous, témoins d’une histoire vivante et
humaine, saturés de pensée et d’action en puissance... (...)[2]
A implantação desse pensamento na História, permitiu que outras
ciências como a Biologia, a Sociologia, a Psicologia, a Filosofia, a Economia,
a Geografia e inclusive o Direito, passassem a analisar suas questões sob a
ótica da interdisciplinaridade.
Aqui será dedicada atenção somente ao direito, mas não à despeito das
enormes contribuições que a Escola dos Annales propiciou para tantas outras
ciências.
II – A UTILIZAÇÃO DA HISTÓRIA
COMO FONTE DO DIREITO
A História é importantíssima para o Direito, porque
identifica os motivos pelos quais o homem se inclinou em determinada direção,
em detrimento de outra, principalmente quando implica no reconhecimento das
causas que levaram os povos a se orientar por determinada norma.
Um bom exemplo disso está presente na história contemporânea, quando
através da criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, a primeira
organização supranacional da Europa, que deu origem a todo processo de
integração que culminou no surgimento da União Europeia. Após a segunda guerra
mundial, juntaram-se a Bélgica, os Países Baixos e Luxemburgo a Itália,
Alemanha Ocidental e França, para através deste acordo estabelecer condições
para a utilização de recursos naturais para a fabricação do aço, garantindo o
livre comércio e estabelecendo restrições para o uso com fins bélicos. Não há
como deixar de estabelecer que as mazelas deixadas pela segunda grande guerra
interferiram diretamente no contexto legal internacional, o que demonstra o
comprometimento que o Direito tem com a História.
Outro exemplo emblemático se trata da modificação da Constituição dos
Estados Unidos da América, que previa a proteção de todos como iguais, porém
havia interpretação no sentido de que, sob o aspecto racial, em relação
específica aos negros, deveria haver separação. Esta doutrina durou até a
década de 1960, quando a corte Warren passou a entender a segregação escolar
como inconstitucional. Importante destacar que, neste caso, a modificação foi
no modo como a lei deveria ser interpretada. Novamente não há como desvincular
esta jurisdição de todo o processo de libertação dos escravos e da luta pelas
liberdades civis.
A importância da História para o Direito é descrita com exatidão pelo
Filósofo Hans-Georg Gadamer, pela necessidade da aplicação da hermenêutica:
Essa exatidão
hermenêutica, que coloca a hermenêutica daqui por diante no “coração das
coisas”, permite enfatizar um fenômeno sobre o qual até o momento nos
interrogamos muito pouco. Trata-se da “distância temporal” e do seu significado
para a compreensão. Pois ao contrário do que costumamos imaginar, o tempo não é
um precipício que devamos transpor para recuperarmos o passado; é, na
realidade, o solo que mantém o devir e onde o presente cria raízes. A
“distância temporal” não é uma distância no sentido de uma distância que deva
ser transposta ou vencida. Esse era o preconceito ingênuo do historicismo, que
acreditava poder alcançar o terreno da objetividade histórica através de um
esforço para se colocar na perspectiva da época estudada e pensar com os conceitos
e representações que lhes eram “próprias”. Trata-se, na verdade, de considerar
a “distância temporal” como fundamento de uma possibilidade positiva e
produtiva de compreensão. Não é uma distância a percorrer, mas uma continuidade
viva de elementos que se acumulam formando uma tradição, isto é, uma luz a qual
tudo o que trazemos conosco de nosso passado, tudo o que nos é transmitido faz
a sua aparição[3].
A importância do conhecimento da história para a hermenêutica,
fundamental para a aplicação do direito, elucida a presença dos princípios
estabelecidos pela Escola dos Annales. Somente através da utilização da
hermenêutica, incluindo-se também a análise do contexto histórico, bem como de
outros fatores, econômicos e sociais por exemplo, será possível o
estabelecimento das leis e a sua aplicação, além da análise de sua vigência.
No Brasil até pouco tempo era terminantemente proibido a união de
pessoas do mesmo sexo. Atualmente, não somente a união homo afetiva, mas também
o casamento, são permitidos para os homossexuais. Vale lembrar que este tipo de
orientação sexual chegou inclusive a ser considerado crime, mas atualmente, o Supremo
Tribunal Federal através do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade
nº 4277 e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 132,
reconheceu o direito à união estável entre pessoas do mesmo sexo, consagrando
interpretação extensiva ao conceito previsto no artigo 226[4], §
3º, da Constituição Federal, abrangendo no conceito de entidade familiar as
uniões homo afetivas. Em 14 de maio de 2013 o Conselho Nacional de Justiça
aprovou resolução que obrigou os Cartórios de Registro Civil a converter a
união estável homo afetiva em casamento.
A modificação dos conceitos sociais permitiu que a legislação e a
interpretação das leis se modificassem, de modo que podemos afirmar, a evolução
histórica da sociedade influenciou diretamente o direito.
Estabelecida a importância de uma história crítica e multidisciplinar e
seu indissociável vínculo com a ciência jurídica, resta estabelecer a análise
crítica do direito a partir do contexto histórico, o que faremos especialmente
sob o ponto de vista do direito dos negócios.
III – ANÁLISE DOS NEGÓCIOS E
APLICAÇÃO DO DIREITO COM O AUXÍLIO DE FONTES HISTÓRICAS
Um negócio se trata de um empreendimento, seja comercial, industrial ou
financeiro, com intuito de obtenção de lucro, estabelecido pela realização de
uma determinada atividade, qualquer que seja sua natureza.
Para que se possa empreender um negócio, primeiramente, este deverá ser
lícito, ou seja, deverá ser permitida a sua prática, ou mesmo não vedada, pelo
ordenamento jurídico vigente, do local onde se pretende estabelecê-lo. Não
importa se em âmbito municipal, interestadual ou nacional, até mesmo
internacional, a atividade empreendedora está vinculada ao respeito das normas
organizadoras tanto da atividade quanto da própria sociedade.
Além da obediência aos ditames legais o empreendedor precisa conhecer o
ambiente em que a sua organização pretende atuar, a cultura da sociedade, a
estrutura e o mercado, além das tecnologias disponíveis.
Há também a necessidade de se estabelecer os objetivos e metas a serem
alcançados, através do plano de negócios, que deverá conter a missão específica
da organização que se pretende constituir
Por fim, o empreendedor deverá analisar as competências essenciais
necessárias para a realização da missão da organização, atendo-se com severa
importância ao custo que demandam para a sua execução.
Estes fatores irão definir se o negócio é viável ou não, ou seja, ainda
que se tenha uma ideia e um planejamento adequado, bem como os elementos para a
execução da atividade, a decisão final estará vinculada ao objetivo principal,
anterior até mesmo à ideia que se pretende desenvolver, que é a finalidade de
lucro.
Cada um dos elementos para a constituição do negócio está sujeito a
legislação específica, como por exemplo, os contratos sociais, que entre outros
dispositivos legais, devem obediência ao artigo 997[5] do
Código Civil.
Importante acrescentar que o lucro está intimamente ligado com as
despesas indispensáveis para a realização do negócio e, dentre estas, a que
toma o destaque principal é a tributação.
A análise da tributação, como ramo do direito, não foge à regra da
necessidade de submissão a uma perspectiva histórico contextual, para que se
possa garantir que a finalidade pela qual o legislador se incumbiu de
determinado processo legislativo seja cumprida.
Um bom exemplo, que trata da aplicação do direito tributário, sob a
perspectiva histórica, ocorreu durante o período colonial. O Governo Português,
descontente com a diminuição da quantidade de ouro que era enviada a Portugal
e, desconfiado de que poderiam estar lhe passando para trás, instituiu a
derrama a fim de assegurar o teto de cem arrobas anuais na arrecadação do
quinto[6]. Como
a arroba – tal como hoje - equivalia a 15 kg, deveria ser enviado ao Rei 1.500
kg de outro anualmente. Esta quantia era muito difícil de ser atingida e paga
integralmente, sendo assim, o governo intensificava a cobrança, confiscando
quaisquer bens ou objetos de ouro. Tal ato causou tanta revolta, que o “quinto
dos infernos” - como era chamada a tributação, foi uma das principais causas da
Inconfidência Mineira.
II.1 – Direito dos Negócios e
Tributação
Nos termos do que dispõe o artigo 966 do Código Civil, “considera-se
empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a
produção ou a circulação de bens ou de serviços”. Sendo o responsável pela
atividade econômica, o empreendedor também assume os ônus de sua execução, tais
como pagamento de empregados, insumos, credores e tributação. Para que seja
possível a gestão da empresa, há a necessidade de adequá-la de maneira que não
se inviabilize o lucro.
O lucro é a diferença entre o faturamento obtido com as vendas de um
produto ou serviço e os custos de execução da atividade e depende diretamente,
dentre outros fatores, da tributação que incide especificamente.
Para que a tributação não consuma todo o lucro, tornando a atividade
inviável do ponto de vista dos negócios, faz-se necessário que a empresa avalie
e se prepare para que possa suportar e menor tributação possível, respeitados
os limites legais. Para que este objetivo seja atingido há a necessidade de um
planejamento da tributação da empresa. Importante acrescentar que o
planejamento da empresa para que não precise suportar ônus tributários
desnecessários para suas atividades, nada tem a ver com a utilização de meios
ilícitos para evitar o pagamento de tributos.
Um planejamento lícito não se confunde com ardil que possa ser lançado
para auferir uma vantagem indevida sobre os cofres públicos, prejudicando o
estado e a população como um todo.
Muitas são as denominações utilizadas para tentar diferenciar as
atividades de adequação tributária lícitas das ilícitas. Para enfrentar este
tipo de artimanha, a RFB tem se valido principalmente do artigo 116[7] do
Código Tributário Nacional, que no seu parágrafo único, outorga à autoridade
administrativa o poder de desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados
com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a
natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária.
A elisão fiscal é conceituada como a redução ou supressão de tributos
por impedimento da incidência da norma tributária, através de atos lícitos,
praticados anteriormente ao fato gerador. A evasão fiscal, por sua vez,
consiste na redução ou postergação de um tributo devido, pela prática de um ato
ilícito, antes ou após o fato gerador.
O planejamento tributário tem sido encarado pelo CARF como uma noção
mais ampla da elisão fiscal, porque engloba situações em que a vantagem fiscal
pretendida não é a redução ou supressão de tributos. Na visão da RFB qualquer
ato, ainda que lícito, que tenha sido utilizado para driblar a imposição de
tributos, consiste em fraude e deve ser anulado, com base no artigo 166, VI do
Código Civil[8].
Apesar do entendimento tendencioso do poder público, o que distingue
uma operação lícita da ilícita são os meios empregados, o momento da atuação do
contribuinte, que deve ser sempre anterior ao fato gerador, bem como a
motivação para qual o ato foi praticado. Ainda assim, não há dúvidas que o
contribuinte não tem a obrigação de optar pela via mais onerosa, quando do
pagamento de tributos, nos termos do que dispõe o artigo 108, § 1º do Código
Tributário Nacional[9].
A busca pelas formas mais vantajosas de economia fiscal não é um ato
ilícito e, quando realizada da forma permitida e adequada, ocorre pela
utilização do direito de livre organização dos negócios, com base no fundamento
constitucional da livre iniciativa, consoante o artigo 170, parágrafo único, da
Constituição Federal[10].
III – DO PROPÓSITO NEGOCIAL
Independente da nomeação, ou da possibilidade de se caracterizar,
subjetivamente, as atividades relacionadas ao pagamento de tributos como
elisão, evasão, sonegação, planejamento lícito, planejamento abusivo, paraíso
fiscal, offshore, não se irá encontrar o diferencial entre as atividades legais
e ilegais, exceto pela aplicação de princípios que possam atribuir
transparência e legitimidade às operações ou verificar sua inidoneidade.
A nomenclatura de nada serve se a metodologia para definição da
licitude da conduta está diretamente vinculada a subjetividade, porque para a
RFB, qualquer atividade que reduza o pagamento de tributos é considerada
ilegal, enquanto o contribuinte defende que lhe é uma prerrogativa de cidadão
manejar seus negócios evitando a ocorrência de tributos.
O problema está em desvincular o elemento subjetivo da análise das
operações tributárias praticadas pela empresa. Este procedimento somente é
possível com a utilização do princípio do propósito negocial. Atribuir
propósito negocial às atividades tributárias é verificar se os procedimentos e
operações realizadas foram meios para que se pudesse concretizar os objetivos
propostos, o que de foge da esfera da mera diminuição da tributação.
O propósito negocial deriva do instituto jurídico oriundo dos Estados
Unidos da América, denominado “business purpose”, que trata-se de um teste
usado contra esquemas para se evitar o pagamento de tributos. Através da
aplicação deste teste é possível identificar os esquemas que tem como
finalidade forjar circunstancias para diminuir ou evitar a carga tributária.
A questão da fabricação de esquemas para evitar a tributação, de longa
data é um dos assuntos mais polêmicos na seara fiscal, tanto que a “OECD – Organization
for Economic Co-operation and Development”, através dos esforços para
implementação do “BEPS – Base Erosion and Profit Shifting”, tem como uma de
suas prerrogativas a prevenção da utilização de esquemas para evitar a
tributação, conforme podemos observar:
ACTION 7[11]
Prevent the artificial avoidance of PE status
Develop changes to the definition of PE to
prevent the artificial avoidance of PE status in relation to BEPS, including
through the use of commissionaire arrangements and the specific activity
exemptions. Work on these issues will also address related profit attribution
issues.
O objetivo principal no caso da “Action 7” é a implementação do regime
de preços de transferência e o fortalecimento do princípio do “Arm’s Length”. As
regras de Transfer Pricing têm a função de alocar os ganhos de empreendimento
multinacional nos países onde a empresa realiza seus negócios. As regras de
preços de transferência permitem de forma efetiva e eficiente a alocação dos
ganhos das multinacionais em jurisdições tributadas. Em alguns casos as
multinacionais têm se valido das regras existentes para mover seus ganhos para
países de tributação irrisória.
Como podemos observar, a realidade do contexto tributário, não somente
no âmbito nacional, mas também internacional, consiste no aprimoramento de
esforços para que os esquemas fabricados com a intenção de evitar tributos
sejam totalmente banidos.
Apesar dos esforços para se evitar o planejamento maligno, o sistema
desenvolvido pelo “business purpose”
admite que há hipóteses em que as estruturações ocorridas na empresa foram
feitas de maneira honesta, ou seja, estritamente de acordo com a lei.
O teste para verificação do Propósito Negocial deve ser realizado
através da submissão da operação ao seguinte questionamento:
a)
Existem razões de caráter
econômico/comercial/societário/financeiro que justifiquem a operação?
b)
As razões da operação estão fundamentadas em
estudos, pareceres, relatórios ou laudos técnicos?
c)
Financeiramente, as operações realizadas pela
empresa na sua atividade são relevantes comparadas ao montante economizado de
tributos?
d)
Há um prazo razoável, entre a data de início das
operações reformuladas e, a data da economia de tributos?
Se a operação tem suporte para ser submetida com êxito ao
questionamento acima, podemos afirmar que o planejamento da empresa foi feito
de maneira lícita, não havendo razão para oposição por parte do Fisco.
Não obstante, para que o todo constituído não se desvirtue do propósito
negocial, há necessidade de haver constante coordenação, planejamento,
controle, operacionalização e revisão.
III – CONCLUSÃO
Os avanços trazidos principalmente para as ciências humanas, com a instituição
da Escola dos Annales, permitiram que o direito pudesse se colocar a caminho de
alcançar a sua finalidade maior, que é o bem comum de toda a sociedade. Neste
diapasão, criou-se a possibilidade de inserir na análise do direito, o contexto
histórico, trazendo assim mais uma poderosa ferramenta para interpretação da
vontade do legislador.
O contexto permite avaliar a necessidade, essencialidade e
imprescindibilidade dos atos praticados, o que viabiliza a fuga da
subjetividade, pela criação de um método objetivo e eficaz de verificação da
idoneidade de eventual planejamento.
As empresas têm a liberdade de reestruturar os negócios, impedindo que
se tornem obsoletos, também que tange a esfera tributária, porque tal como o
mundo corporativo, o direito que o acompanha, pela filosofia de Febvre, não
poderia ser diferente.
A evolução tecnológica, o advento de novas formas de negócio, avanço
dos meios de comunicação e o surgimento de produtos nunca antes sequer
imaginados, faz com que a tributação e a forma de recolhimento também se
modifiquem. Um bom exemplo disto são as compras pela internet e o serviço de
streaming, atividades comerciais que jamais poderiam ter sido previstos pelo
Código Tributário Nacional, datado de 1966[12].
Desta forma, diante da atividade apresentada pela empresa, o fisco não
poderá mais agir de forma a considerar qualquer modificação como elisão,
evasão, ou mesmo sonegação, porque não poderá se eximir de comprovar suas
alegações através da realização de uma análise fundada em método objetivo.
A simples alegação infundada, seguida da emissão de auto de infração,
com aplicação de severas multas, não deverá mais lograr êxito, por falta de
respaldo técnico e jurídico.
Planejamento é otimizar com propósito negocial, ou seja, em total
obediência aos ditames legais, mas com foco no negócio e não somente na
economia de tributos.
[1] FEBVRE, Lucien. “Vivre l’histoire. Propos d’initiation”. In: Combats pour
l’histoire. Op. Cit. p.28.
[2] FEBVRE, Lucien. “De 1892 a 1933. Examen
de conscience d’une histoire et d’un historien.” In: Combats pour
l’histoire. Op. Cit. p.12. [...] “E não
só os documentos de arquivos em cujo favor se cria um privilégio – o privilégio
de daí tirar, como dizia o outro*, um nome, um lugar, uma data; uma data, um
nome, um lugar – todo o saber positivo, concluía ele, de um historiador
indiferente ao real. Mas, também, um poema, um quadro, um drama: documentos
para nós, testemunhos de uma história viva e humana, saturados de pensamento e
de ação em potência...” FEBVRE, Lucien. “De 1892 a 1933: Exame de consciência
de uma história e de um historiador”. In: Combates pela história. Op. Cit. p.
24.
[3]
GADAMER, Hans-Georg. O Problema da Consciência Histórica. Editora FGV, 2ª
Edição, Rio de Janeiro, pag. 67.
[4]
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. (...)
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida
a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei
facilitar sua conversão em casamento.
[5] Art. 997. A sociedade
constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que, além de
cláusulas estipuladas pelas partes, mencionará:
I - nome, nacionalidade, estado civil,
profissão e residência dos sócios, se pessoas naturais, e a firma ou a
denominação, nacionalidade e sede dos sócios, se jurídicas;
II - denominação, objeto, sede e prazo
da sociedade;
III - capital da sociedade, expresso em
moeda corrente, podendo compreender qualquer espécie de bens, suscetíveis de
avaliação pecuniária;
IV - a quota de cada sócio no capital
social, e o modo de realizá-la;
V - as prestações a que se obriga o
sócio, cuja contribuição consista em serviços;
VI - as pessoas naturais incumbidas da
administração da sociedade, e seus poderes e atribuições;
VII - a participação de cada sócio nos
lucros e nas perdas;
VIII - se os sócios respondem, ou não,
subsidiariamente, pelas obrigações sociais.
Parágrafo único. É ineficaz em relação
a terceiros qualquer pacto separado, contrário ao disposto no instrumento do
contrato.
[6] O quinto era a
retenção de 20% do ouro em pó ou folhetas que eram direcionadas diretamente a
Coroa Portuguesa;
[7] Art. 116. Salvo
disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e
existentes os seus efeitos: (...)
Parágrafo único. A autoridade
administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a
finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza
dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os
procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária. (Incluído pela Lcp nº
104, de 2001)
[8] Art. 166. É nulo o
negócio jurídico quando: (...)
VI - tiver por objetivo fraudar lei
imperativa;
[9] Art. 108. Na ausência
de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação
tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada:
I - a analogia; (...)
§ 1º O emprego da analogia não poderá
resultar na exigência de tributo não previsto em lei.
[10] Art. 170. A ordem
econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem
por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça
social, observados os seguintes princípios: (...)
Parágrafo único. É assegurado a todos o
livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de
autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.
[12]
Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966.
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