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Análise da Convenção entre a República Federativa do Brasil e a República Oriental do Uruguai para Eliminar a Dupla Tributação em Relação aos Tributos sobre a Renda e sobre o Capital e Prevenir a Evasão e a Elisão Fiscais









I - Introdução

O Brasil firmou no dia 07 de junho de 2019, convenção para eliminar a dupla tributação e prevenir a evasão e a elisão[1] fiscais. A ação teve como objetivo concluir uma convenção hábil para eliminar a dupla tributação em relação aos tributos sobre a renda e o capital, sem criar oportunidades para não tributação ou tributação reduzida por meio de evasão ou elisão fiscal. Não obstante, as medidas a serem implantadas têm como objetivo estender também o objetivo de evitar o uso abusivo de acordos para estender indiretamente, a residentes de terceiros Estados, os benefícios previstos.

A convenção em estudo aplica-se aos tributos incidentes sobre a renda, o capital total, ou elementos de rendimento ou capital, incluindo tributos sobre os ganhos decorrentes de alienação de propriedade móvel ou imóvel, tributos sobre o montante total dos salários ou ordenados pagos pelas empresas, bem como sobre a valorização do capital.

No Brasil estes tributos compreendem o imposto sobre a renda e a contribuição social sobre o lucro líquido, que equivalem no Uruguai, ao imposto sobre a renda das atividades econômicas, sobre a renda das pessoas físicas, sobre a renda dos não-residentes e imposto de assistência à seguridade social, além do imposto sobre o patrimônio.

Podemos destacar que os rendimentos de pessoas que envolvam ambos os estados membros estarão sujeitos, dentro das hipóteses previstas, à cobrança de tributação, compreendendo rendimentos imobiliários, lucros das empresas, transporte marítimo e aéreo, empresas associadas, dividendos, juros, royalties, remuneração por serviços técnicos, ganhos de capital, serviços pessoais independentes, rendimento de emprego (salários), remunerações de direção, ganhos de artistas e desportistas, pensões, anuidades e pagamentos do sistema de seguridade social, funções públicas, rendimentos de professores e pesquisadores, estudantes, bem como quaisquer outros rendimentos, além dos rendimentos de capital, obviamente.

II – Finalidade

Para evitar a dupla tributação os Estados acordaram que, cada um admitirá como dedução do imposto incidente sobre os rendimentos do residente, um montante igual ao imposto sobre os rendimentos pago no outro. Da mesma forma, cada um admitirá como dedução do imposto incidente sobre o capital desse residente, um montante igual ao imposto sobre o capital pago no outro. Cumpre esclarecer que tal dedução não deverá exceder, em qualquer caso, a fração do imposto sobre a renda ou sobre o capital, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos ou ao capital que puderem ser tributados. O mesmo raciocínio se opera quando não há obrigação de pagamento (Ex: isenção), devendo o Estado parte levar em consideração os rendimentos ou o capital isentos ao calcular o montante do imposto incidente sobre o remanescente.

O acordo firmado também prevê tratamento isonômico, ou seja, a não discriminação entre os contribuintes de um ou outro Estado, porém o que chama mais atenção é a realização de procedimento amigável, pelo qual, se alguém considerar que as ações de um ou ambos os Estados contratantes resultaram, ou poderão resultar, em uma tributação em desacordo com as disposições anuídas, poderá independentemente dos recursos previstos no direito interno das partes, submeter o caso à apreciação da autoridade competente de qualquer Estado contratante.

Algo importante a ser mencionado é que as partes fizeram expressamente a previsão de intercâmbio de informações, ou seja, as autoridades dos Estados contratantes intercambiarão entre si informações previsivelmente relevantes para a aplicação, tanto das disposições dessa Convenção, quanto da legislação interna, o que significa que quaisquer informações recebidas serão comunicadas às pessoas ou às autoridades encarregadas do lançamento ou da cobrança dos tributos referidos acima, inclusive para fins de execução ou instauração de processos relativos a infrações.

O intercâmbio de informações fiscais viabiliza, salvo melhor juízo, que há possibilidade jurídica da aplicação do disposto na norma antielisiva[2].

A previsão no artigo 28 da Convenção entre o Brasil e o Uruguai, aqui analisada, demonstra os esforços de ambos os fiscos para combater operações insustentáveis do ponto de vista material, ou seja, simulações societárias e transações internacionais que almejam apenas a obtenção de indevida vantagem financeira, em detrimento da cobrança de tributos.

A cooperação tributária internacional entre Estados nada mais é do que a efetivação do disposto no artigo 199, parágrafo único, do Código Tributário Nacional, que dispõe que “a Fazenda Pública da União, na forma estabelecida em tratados, acordos ou convênios, poderá permutar informações com Estados estrangeiros no interesse da arrecadação e da fiscalização de tributos”.

A utilização de empresas para burlar a tributação se tornou o alvo principal de investigações pela Receita Federal do Brasil, tanto para combater a elisão e a evasão, como para demonstrar a implementação de boas condutas, principalmente após o pedido feito pelo Brasil para ser efetivado como membro da OCDE.

O Brasil participa das reuniões da OCDE desde 1996, momento em que aderiu ao Comitê do Aço, mas somente no ano de 2007 aderiu ao Programa de Engajamento Ampliado. Tendo sido elevado a Parceiro Chave no ano de 2012, juntamente com a China, a Índia, Indonésia e África do Sul, demonstrou seriedade e comprometimento com as orientações internacionais emanadas deste órgão, o que favoreceu a assinatura do Acordo de Cooperação no ano de 2015. A partir de então foi instituído um Plano de Trabalho para efetivar a maior aproximação do país com a instituição, adequando-se condutas e procedimentos às regras existentes, o que viabilizou a solicitação de acessão a Membro Pleno, no ano de 2017[3].

Desta forma, podemos concluir que a utilização de empresas no Uruguai como forma de planejamento societário e/ou tributário, deverá estar acompanhada do devido fim, ou seja, dever-se-á demonstrar efetivamente o cumprimento das atividades, o atendimento das normas legais, especialmente na seara tributária e, principalmente, o propósito negocial[4]. A finalidade do negócio jurídico não pode ser de ocultar ou disfarçar o fato gerador, o que preocupa os investidores, eis que, enquanto contribuintes, podem ter suas operações consideradas ilegais, por conta de parâmetros exclusivamente subjetivos, como os que não raras vezes são utilizados.

Apesar de estar o fisco de ambos os países autorizado a, partilhar informações, fiscalizar e realizar autuações, o mesmo não ocorre quando a matéria difere do que é da jaez tributária. Quaisquer informações recebidas por um Estado contratante serão consideradas sigilosas da mesma maneira que informações obtidas sob a legislação interna, ou seja, no Brasil, tais informações estão sob arrimo do sigilo fiscal, nos termos do que dispõe o artigo 198 do Código Tributário Nacional[5].

Neste diapasão, podemos concluir que as informações fiscais obtidas através do intercâmbio promovido pela convenção em análise, não irá deixar explícitas as operações das empresas, uma vez que o sigilo fiscal somente pode ser quebrado em ocasiões especialíssimas[6].

III – Vigência da Convenção

Apesar da Convenção entre a República Federativa do Brasil e a República Oriental do Uruguai para Eliminar a Dupla Tributação em Relação aos Tributos sobre a Renda e sobre o Capital e Prevenir a Evasão e a Elisão Fiscais ter sido firmada em junho/2019, sua entrada em vigor exige que se consolide o processo de internalização.

A Convenção de Viena[7] sobre o Direito dos Tratados dispõe em seu artigo 2º que “tratado significa um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica”.

Os tratados e as convenções internacionais, nos termos do que dispõe o artigo 98 do Código Tributário Nacional, revogam ou modificam a legislação tributária interna. Sendo assim, dentre os diversos entendimentos que pairam sobre o tema, destaca-se a lição do Professor Valério Mazzuoli[8], que sabiamente afirma que:

“tal dispositivo, como se percebe nitidamente, atribui primazia aos tratados internacionais em matéria tributária sobre toda a legislação tributária interna, apontando para o fato de os tratados revogarem ou modificarem as normas domésticas sem, contudo, poderem ser revogados por estas, o que evidentemente lhes atribui um status de supralegalidade absoluto dentro do sistema jurídico-tributário nacional, em respeito à norma pacta sunt servanda inscrita no art. 26 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados. Aliás, verdade seja dita: o art. 98 do CTN é o único dispositivo existente, em toda a legislação brasileira, a atribuir expressa primazia do tratado sobre a nossa legislação doméstica”. 

Mormente se possa identificar a convenção tributária internacional como elemento impositivo capaz de vigorar modificando a ordem jurídica interna, há a necessidade de que seja o dispositivo devidamente internalizado, ou seja, que o Estado Brasileiro, através de seu Congresso Nacional[9], albergue o que fora avençado pelo Presidente da República[10], nos termos do que dispõem o artigo 49 e o artigo 84 da Constituição Federal.

Desta forma, o tratado inicia seu trâmite de internalização, via de regra, na Câmara dos Deputados, onde o presidente da casa deverá definir em quais comissões o projeto irá tramitar, sempre lembrando que a passagem pela Comissão de Constituição e Justiça é obrigatória. Aprovado o projeto de Lei Ordinária este será lançado como decreto legislativo e seguirá para o Senado Federal para aprovação. Após a aprovação do Congresso Nacional o referido decreto legislativo é encaminhado ao Presidente da República para que seja ratificado e publicado.

Desta forma, podemos afirmar que a Convenção precisa ser devidamente internalizada e, caso venha a ser promulgada e ratificada, ainda se deverá aguardar o período de vacância, portanto a referida norma internacional não está em vigência.

Não obstante, podemos afirmar que estreita-se o cerco sobre os planejamentos internacionais, de modo que esta ferramenta não poderá mais ser utilizada ao bel prazer, para permitir que sejam utilizados institutos societários como holding e offshore com o intuito exclusivo de se burlar o pagamento de tributos.




[1] Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos:
I - tratando-se de situação de fato, desde o momento em que o se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios;
II - tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esteja definitivamente constituída, nos termos de direito aplicável.
Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária. Incluído pela Lcp nº 104, de 2001)
[2] HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário. 14ª ed. São Paulo: Atlas, 2005. Normas antielisivas são aquelas que permitem ao Fisco desconsiderar condutas elisivas praticadas pelos contribuintes com o objetivo economizar tributo, lançando-o tal como seria devido caso não verificada a elisão fiscal. Podem ser específicas, quando trazem expressamente o catálogo dos fatos geradores que se sub-rogam no ato praticado pelo sujeito passivo, ou gerais, estas de constitucionalidade muito discutida, quando não trazem previsão expressa sobre os fatos geradores sub-rogatórios da conduta do contribuinte.
[3] Vide: http://www.oecd.org/latin-america/countries/brazil/brasil.htm, acesso em 04/11/2019;
[4] Vide julgados do CARF:  Acórdãos 1401-002.835 e 1401-002.644;
[5] Art. 198. Sem prejuízo do disposto na legislação criminal, é vedada a divulgação, por parte da Fazenda Pública ou de seus servidores, de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades. Redação dada pela Lcp nº 104, de 2001)
§ 1º Excetuam-se do disposto neste artigo, além dos casos previstos no art. 199, os seguintes: (Redação dada pela Lcp nº 104, de 2001)
I – requisição de autoridade judiciária no interesse da justiça; (Incluído pela Lcp nº 104, de 2001)
II – solicitações de autoridade administrativa no interesse da Administração Pública, desde que seja comprovada a instauração regular de processo administrativo, no órgão ou na entidade respectiva, com o objetivo de investigar o sujeito passivo a que se refere a informação, por prática de infração administrativa. (Incluído pela Lcp nº 104, de 2001)
§ 2º O intercâmbio de informação sigilosa, no âmbito da Administração Pública, será realizado mediante processo regularmente instaurado, e a entrega será feita pessoalmente à autoridade solicitante, mediante recibo, que formalize a transferência e assegure a preservação do sigilo. (Incluído pela Lcp nº 104, de 2001)
§ 3º Não é vedada a divulgação de informações relativas a: (Incluído pela Lcp nº 104, de 2001)
I – representações fiscais para fins penais; (Incluído pela Lcp nº 104, de 2001)
II – inscrições na Dívida Ativa da Fazenda Pública; Incluído pela Lcp nº 104, de 2001)
III – parcelamento ou moratória. (Incluído pela Lcp nº 104, de 2001)
[6] RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. SIGILOS BANCÁRIO E FISCAL. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DE MOTIVO HÁBIL. PROTEÇÃO E GARANTIA CONSTITUCIONAL. A proteção da privacidade do cidadão, na qual se inserem os sigilos bancário e fiscal, envolve uma garantia constitucional relativa, somente afastada pelo critério da proporcionalidade e da efetiva necessidade da medida de constrição. No caso, não foram eficientemente comprovados os motivos pelos quais os recorrentes poderiam sofrer a invasão ao seu direito de privacidade, sendo de bom senso nesta situação resguardar a regra geral e protetora do sistema de garantias fundamentais. Recurso provido." (6ª Turma, RMS 25.174/RJ, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, unânime, DJe de 14.04.2008)
[7] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Decreto/D7030.htm;
[8]MAZZUOLI, Valério Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 7. Edição, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008;
[9] Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
I - resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional; (...)
[10] Artigo 84. Compete privativamente ao Presidente da República: (...)
VIII- Celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional;


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