I – INTRODUÇÃO
O
Consórcio público, numa visão simplista, trata-se de pessoa jurídica criada por
lei para executar a gestão associada de serviços públicos, para atribuição de
uma maior eficiência ao aparelho gestor, vislumbrando o melhor atendimento dos
interesses públicos, na aplicação das políticas públicas. Os participantes, que
são denominados entes consorciados, podem ser tanto a União, os Estados ou o
Distrito Federal, bem como os Municípios, entre um e outro ou entre si. Será
tratado aqui especificamente a sistemática envolvendo os últimos, ou seja,
consórcios entre municípios, que no todo ou em parte, destinarão pessoal e bens
essenciais à execução dos serviços transferidos.
O
instituto jurídico dos consórcios públicos é uma figura que passou a existir no
Direito Administrativo Brasileiro, após a instituição da Emenda Constitucional
nº 19/98, que alterou o art. 241 da Constituição da República Federativa do
Brasil, conforme:
Art. 241. A
União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de
lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes
federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a
transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais
à continuidade dos serviços transferidos.
Nos
termos do que prevê a Lei nº 11.107/05, os consórcios públicos se constituem através
de associações públicas, depois de ratificado um protocolo de intenções,
possibilitando que o consórcio adquira personalidade jurídica própria, cuja natureza
jurídica de é de uma autarquia, possuindo todas as prerrogativas a estas
atribuídas.
Os
consórcios públicos, por sua natureza jurídica e, de acordo com os ditames da Instrução
Normativa RFB nº 1.288, de 31 de agosto de 2012, por terem a natureza jurídica
de autarquia, tem a possibilidade de habilitar-se no SISCOMEX, para realização
de atividades de importação e exportação, podendo trazer inúmeros benefícios
para os administrados, principalmente na área da saúde.
II – DA HABILITAÇÃO DOS
CONSÓRCIOS PÚBLICOS NO SISCOMEX
A
Instrução Normativa RFB nº 1.288, de 31 de agosto de 2012, que estabelece
procedimentos de habilitação de importadores, exportadores e internadores da
Zona Franca de Manaus para operação no Sistema Integrado de Comércio Exterior -
SISCOMEX e de credenciamento de seus representantes para a prática de
atividades relacionadas ao despacho aduaneiro, dispõe em seu artigo 2º, I, “a”,
“4”, que a habilitação deverá ser requerida pelo interessado pessoa jurídica, e
se tratar de “órgãos da administração pública direta, autarquia e fundação
pública, órgão público autônomo, organismo internacional e outras instituições
extraterritoriais”.
Neste
sentido podemos destacar a total viabilidade de habilitação dos consórcios
públicos no SISCOMEX, possibilitando a realização de todas as operações de
comércio exterior.
O
consórcio público, como toda e qualquer pessoa jurídica que pretender
habilitação, deverá se submeter à análise fiscal, para que se possa estimar a
sua capacidade financeira nas operações de comércio exterior e será relativa a
cada período de 06 (seis) meses:
Artigo 4º Para
fins de deferimento da solicitação de habilitação, a pessoa jurídica requerente
será submetida à análise fiscal.
parágrafo 1º A
análise a que se refere o caput consiste, também, em estimar a capacidade
financeira da pessoa jurídica para operar no comércio exterior, relativa a cada
período de 6 (seis) meses.
parágrafo 2º A
estimativa da capacidade financeira da pessoa jurídica determinará o
enquadramento da sua habilitação em uma das submodalidades previstas no inciso
I do caput do art. 2º.
parágrafo 3º A
estimativa da capacidade financeira da pessoa jurídica, apurada por ocasião da
habilitação, poderá ser revista a qualquer tempo pela RFB:
I — de ofício,
com base nas informações disponíveis em suas bases de dados; ou
II — a pedido,
mediante a prestação de informações adicionais pelo interessado.
A
habilitação do responsável pela pessoa jurídica será solicitada mediante
requerimento, conforme o modelo fornecido, constante no Anexo Único da IN RFB
1.288/2012, nos seguintes termos:
Artigo 3º A
habilitação do responsável legal pela pessoa jurídica será solicitada mediante
requerimento, conforme o modelo constante do Anexo Único a esta Instrução
Normativa, apresentado em qualquer unidade da RFB, instruído com os seguintes
documentos:
I — cópia do
documento de identificação do responsável legal pela pessoa jurídica, e do
signatário do requerimento, se forem pessoas distintas;
II —
instrumento de outorga de poderes para representação da pessoa jurídica, quando
for o caso; e
III — cópia do
ato de designação do representante legal de órgão da administração pública
direta, de autarquia, de fundação pública, de órgão público autônomo, de
organismos internacionais, ou de outras instituições extraterritoriais, bem
como da correspondente identificação pessoal, conforme o caso.
Parágrafo 1º
Para requerimento da habilitação relativa às submodalidades a que se referem as
alíneas “b” e “c” do inciso I do caput do artigo 2º, é obrigatória:
I — a
apresentação do contrato social e da certidão da Junta Comercial, além dos
documentos de que trata o caput; e
II — a prévia
adesão ao Domicílio Tributário Eletrônico (DTE).
Parágrafo 2º O
deferimento da habilitação de que trata a alínea “a” do inciso I do caput do
artigo 2º será realizado com base somente na verificação documental, não sendo
aplicável a análise fiscal a que se refere o artigo 4º.
Parágrafo 3º
Os representantes das associações estrangeiras membros da Fédération
Internationale de Football Association (Fifa) que participarão da Copa das
Confederações Fifa 2013 e da Copa do Mundo Fifa 2014 serão habilitados de
ofício.
parágrafo 4º
Poderá ser habilitado como responsável no Siscomex por órgão público,
instituição ou organismo internacional:
I — a pessoa
física com a qualificação indicada na tabela do Anexo XI à Instrução Normativa
RFB 1.183, de 19 de agosto de 2011, ou o servidor público por ela designado; e
II — o
responsável legal no Brasil por organismo internacional ou instituição
extraterritorial, ou qualquer pessoa por ele designada.
parágrafo 5º
Nos casos de fusão, cisão ou incorporação, a sucessora poderá requerer
habilitação em nome da sucedida.
Importante
informar que o parágrafo 1º do artigo em análise determina que o requerimento
da habilitação deve ser precedido de adesão ao Domicílio Tributário Eletrônico
(DTE), que permite que a Caixa Postal da empresa no e-CAC também seja
considerada seu Domicílio Tributário perante a Administração Tributária
Federal.Completando, para que se possa formalizar a habilitação deverá ser
utilizado o meio eletrônico processual, nos termos do artigo 9º da mesma IN,
coforme:
Artigo 9º Os
requerimentos a que se referem os artigos 3º, 5º e 8º constituirão peça inicial
do processo eletrônico (e-processo) com vistas à habilitação ou revisão,
conforme o caso, devendo o referido processo ser encaminhado de imediato pela
unidade da RFB de protocolo do requerimento, para análise da unidade da RFB de
jurisdição aduaneira do requerente.
Como
pode ser verificado com a análise de alguns dispositivos referentes à
habilitação, os consórcios se submeterão às mesmas exigências opostas às
pessoas jurídicas de direito privado.
Obviamente,
por tratar-se do Poder Público, sua atividade vai estar diretamente vinculada a
sua natureza, submetendo-se à égide da fiscalização pelos órgãos competentes,
tal como o respectivo tribunal de contas, mas este fato nem de longe pode ser
considerado um óbice à habilitação e operação.
III – BENEFÍCIOS DA HABILITAÇÃO E
OPERAÇÃO DOS CONSÓRCIOS PÚBLICOS
A
atividade pública visa o bem estar coletivo, o bem comum, a melhor aplicação
dos recursos financeiros disponíveis, de modo a proporcionar à população,
sempre a melhor efetividade na aplicação das políticas públicas, garantindo ao
cidadão o atendimento de todas as suas necessidades, galgando todos os esforços
para o alcance do mais alto nível de satisfação possível.
Os
consórcios públicos atuam em diferentes setores, de acordo com a sua
finalidade, ou seja, o motivo pelo qual foram constituídos. Um consórcio
público entre municípios para realização de atividades na área da saúde, por
exemplo, poderá importar medicamentos, máquinas, aparelhos hospitalares, para
melhorar o atendimento e o aparelhamento dos hospitais, possibilitando uma
melhor qualidade no atendimento da população de todos os municípios
participantes. Obviamente, qualquer aquisição por parte do Poder Público estará
sujeita às normas previstas na Lei 8.666/93, devendo ser observados todos e
quaisquer procedimentos necessários para a efetivação, mas são muitos os
benefícios que acompanham a atividade dos consórcios públicos.
Os
consórcios públicos possuem algumas peculiaridades que lhe dão uma maior
flexibilidade junto à administração direta. Podem celebrar contratos de gestão,
contrato de programa ou termo de parceria, licitar serviços e obras públicas,
firmar convênios, contratos e acordos, receber auxílio, contribuição ou
subvenção, celebrar concessões, permissões e autorizações de serviços públicos,
entre outras, tais como maior flexibilidade no poder de compra, remuneração e
pagamento de incentivos e, a possibilidade de serem contratados pela
administração direta ou indireta, sem necessidade de licitação.
A
atividade de comércio exterior poderá ser realizada sem a interferência do ente
privado, melhorando a agilidade e o custo do serviço, porque o mínimo fica
excluído todo o trâmite para contratação de uma empresa privada para a
realização do serviço. O custo da operação também diminui, à medida que se
retira do preço final o ganho da empresa que fez a importação, mas a menor
redução fica garantida pelo princípio da imunidade recíproca.
IV – PRINCÍPIO DA IMUNIDADE
RECÍPROCA
Nos
termos do art. 150, VI, a da Constituição Federal[1],
a imunidade recíproca impede que a União, os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios instituam impostos sobre o patrimônio, a renda e os serviços uns dos
outros. Tem como fundamento o fato de que se fosse permitida a tributação mútua
entre as pessoas políticas, o equilíbrio federativo e a autonomia destas
entidades restariam comprometidos.
A
atividade desenvolvida por um consórcio público, na da mais é do que o suporte
e o aprimoramento da atividade do Poder Público, principalmente na gestão de
seus recursos, para aplicação das políticas públicas. Sendo assim o serviço
prestado pelo consórcio, possui imunidade tributária recíproca.
Neste sentido tem se
pronunciado o Supremo Tribunal Federal sobre o tema:
TRIBUTÁRIO.
IMUNIDADE RECÍPROCA. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA CONTROLADA POR ENTE FEDERADO.
CONDIÇÕES PARA APLICABILIDADE DA PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL. ADMINISTRAÇÃO
PORTUÁRIA. COMPANHIA DOCAS DO ESTADO DE SÃO PAULO (CODESP). INSTRUMENTALIDADE
ESTATAL. ARTS. 21, XII, f, 22, X, e 150, VI, a DA CONSTITUIÇÃO. DECRETO FEDERAL
85.309/1980. 1. IMUNIDADE RECÍPROCA. CARACTERIZAÇÃO. Segundo teste proposto
pelo ministro-relator, a aplicabilidade da imunidade tributária recíproca (art.
150, VI, a da Constituição) deve passar por três estágios, sem prejuízo do
atendimento de outras normas constitucionais e legais: 1.1. A imunidade
tributária recíproca se aplica à propriedade, bens e serviços utilizados na
satisfação dos objetivos institucionais imanentes do ente federado, cuja
tributação poderia colocar em risco a respectiva autonomia política. Em
conseqüência, é incorreto ler a cláusula de imunização de modo a reduzi-la a
mero instrumento destinado a dar ao ente federado condições de contratar em
circunstâncias mais vantajosas, independentemente do contexto. 1.2. Atividades
de exploração econômica, destinadas primordialmente a aumentar o patrimônio do
Estado ou de particulares, devem ser submetidas à tributação, por
apresentarem-se como manifestações de riqueza e deixarem a salvo a autonomia
política. 1.3. A desoneração não deve ter como efeito colateral relevante a
quebra dos princípios da livre-concorrência e do exercício de atividade
profissional ou econômica lícita. Em princípio, o sucesso ou a desventura
empresarial devem pautar-se por virtudes e vícios próprios do mercado e da
administração, sem que a intervenção do Estado seja favor preponderante. 2.
SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. EXPLORAÇÃO DE SERVIÇOS DE ADMINISTRAÇÃO PORTUÁRIA.
CONTROLE ACIONÁRIO MAJORITÁRIO DA UNIÃO. AUSÊNCIA DE INTUITO LUCRATIVO. FALTA
DE RISCO AO EQUILÍBRIO CONCORRENCIAL E À LIVRE-INICIATIVA. Segundo se depreende
dos autos, a Codesp é instrumentalidade estatal, pois: 2.1. Em uma série de
precedentes, esta Corte reconheceu que a exploração dos portos marítimos,
fluviais e lacustres caracteriza-se como serviço público. 2.2. O controle
acionário da Codesp pertence em sua quase totalidade à União (99,97%). Falta da
indicação de que a atividade da pessoa jurídica satisfaça primordialmente
interesse de acúmulo patrimonial público ou privado. 2.3. Não há indicação de
risco de quebra do equilíbrio concorrencial ou de livre-iniciativa, eis que
ausente comprovação de que a Codesp concorra com outras entidades no campo de
sua atuação. 3. Ressalva do ministro-relator, no sentido de que “cabe à autoridade
fiscal indicar com precisão se a destinação concreta dada ao imóvel atende ao
interesse público primário ou à geração de receita de interesse particular ou
privado”. Recurso conhecido parcialmente e ao qual se dá parcial provimento.[2]
O
alcance da imunidade tributária recíproca restringe-se à propriedade, bens e
serviços utilizados na satisfação dos objetivos institucionais do ente e, não promover
a quebra dos princípios da livre-concorrência e do exercício de atividade
profissional ou econômica lícita. Além disso os benefícios da aplicação deste
princípio não compreendem as taxas, as contribuições especiais, as
contribuições de melhoria ou os empréstimos compulsórios.
Notemos
que se a imunidade pode ser aplicada a sociedade de economia mista, com mais
força poderá compor os benefícios destinados aos consórcios públicos, que tem
natureza autárquica, ou seja, representam diretamente os interesses públicos.
Segundo
a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, gozam de imunidade tributária
recíproca as autarquias prestadoras de serviço:
AGRAVO
REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA
RECÍPROCA. AUTARQUIA. SERVIÇO PÚBLICO DE ÁGUA E ESGOTO. APLICABILIDADE. 1. A
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal entende que a autarquia prestadora
de serviço público de água e esgoto é abrangida pela imunidade tributária
recíproca, nos termos da alínea “a” do inciso VI do art. 150 da Constituição da
República. Precedentes. 2. Agravo regimental desprovido.[3]
Os
entes administrativos integrantes da estrutura organizativa de mais de um ente
da Federação, tal como os consórcios públicos têm especificamente de natureza
autárquica, ou seja, são formados por mais de um ente federado e, de
conseguinte, integrantes de mais de uma estrutura administrativa indireta, como
muito bem fundamenta o Ilustre Jurista Celso Antonio Bandeira de Mello:
Em rigor, as
chamadas fundações públicas são pura e simplesmente autarquias, às quais foi
dada a designação correspondente à base estrutural que têm. (...) Uma vez que
as fundações públicas são pessoas de Direito Público de capacidade
exclusivamente administrativa, resulta que são autarquias
e que, pois, todo o regime jurídico dantes exposto como o concernente às
entidades autárquicas, aplica-se-lhes integralmente.[4]
De
todo o exposto, não resta dúvida de que poderão ser aplicados aos consórcios
públicos, na atividade de importação, para execução das suas tarefas a ele
incumbidas pelos entes federados, os benefícios da imunidade tributária
recíproca, o que de longe é muito boa vantagem na aplicação de recursos
públicos.
[1] Art.
150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à
União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...)
VI - instituir impostos
sobre: (Vide Emenda Constitucional nº 3, de 1993)
a) patrimônio, renda ou
serviços, uns dos outros
[2] RE
253472, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO,
Relator(a) p/ Acórdão: Min. JOAQUIM
BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 25/08/2010, DJe-020 DIVULG 31-01-2011
PUBLIC 01-02-2011 EMENT VOL-02454-04 PP-00803 RTJ VOL-00219- PP-00558
[3] RE
672187 AgR, Relator(a): Min. CEZAR
PELUSO, Segunda Turma, julgado em 27/03/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-078 DIVULG
20-04-2012 PUBLIC 23-04-2012
[4] Curso de
Direito Administrativo, São Paulo, Malheiros, 2001, 13ª edição, página 146
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